terça-feira, 18 de março de 2014

''Mariazisses''

três ou quatro passos curtos daqueles a poupar meio pé, menos por conta do assoalho, acarpetado num verde oliva, que por qualquer herança infantil da qual não havia se desfeito, os olhos ainda com impressão de abertura oriental, cabelos umedecidos de suor e a ideia fixa remanescente da noite passada: uma conversa definitiva com o dono do Jornal para o qual era colaborador propondo-lhe uma coluna direta do Oriente Médio, quem sabe desbravando o solo milenar da Península Árabe: era hora de mudanças! Mas o amanhecer empalidece intentos apaixonados, e Bernardo revisou os três parágrafos escritos para uma matéria sobre o engarrafamento histórico da noite anterior numa via principal de ligação da cidade e apanhou uma folha de jornal da qual se servia todas as manhãs para forrar a casa do canário (afinal o jornal de ontem já estaria imundo como era de praxe pela manhã), e a gaiolinha magricela atravessada pelo sol na diagonal pendulava à altura dos olhos do rapaz que num movimento estanque se pôs imóvel, perdendo as cores da cara, lívido, donde a mão esquerda fechada em riste era a única parte do corpo a denunciar-lhe tensão que fosse. a agulha da vitrolinha às suas costas havia implicado com um risco de nada bem no meio do primeiro ato de “La Traviata”, num agudo da Callas. Bernardo estava cúmplice da morte, e sem mover os olhos questionou-se se interviria a favor ou ao menos para desferir qualquer golpe de misericórdia, não. Jobim, o canário do reino, seu pássaro canoro e companheiro de madrugadas férteis já não era, intumescido e com os olhos pretos e enormes a saltar contorcia-se estirado logo abaixo do poleiro sobre o qual esbanjara graça orgulhosa nas alvoradas de outrora, e nada poderia nem deveria ser feito, era a morte do bicho. conformado, na sua absoluta falta de religião balbuciou um Pai Nosso entre dentes enquanto assistia imóvel àquele ritual último de segredos inacessíveis. findo e imóvel o pássaro, o rapaz  em movimentos lentíssimos desemperrara a agulha da vitrola, enchera o cubículo de volume e com Callas aos berros preparou-se para o dueto em grande estilo, desempenharia a parte de Francesco Albanese que agora lhe cabia, estava em choque, Jobim era querido, e não havia nada que pudesse ter sido feito para salvá-lo. insistiu na ópera até o fim, esgoelou-se num funeral pitoresco, depois mudo jogou o pássaro no lixo da cozinha: estava sozinho e triste, a manhã desfigura mesmo as promessas da madrugada.

domingo, 9 de março de 2014

Te procurei em todos os botecos,boites e quartos
das minhas noites sombrias
na minha juventude duvidosa

Te procurei nas praças, cafés
museus e festas infantis
dos meus dias de sol
na minha idade média

Te procurei por dentro
entre
subliminarmente
sempre!